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PROTEU

Porque Não Podemos Andar Sempre a Dormir e Há Muita Coisa Ainda Para Descobrir e Ver.

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Porque Não Podemos Andar Sempre a Dormir e Há Muita Coisa Ainda Para Descobrir e Ver.

O Tesouro dos Combustíveis

M Bento, 08.03.22

O preço dos combustíveis em Portugal continua a ser um assunto que anda sempre na zona cinzenta dos argumentários sejam eles apresentados pelo estado, sejam apresentados pelas gasolineiras. Por mais argumentos que cada um deles apresente, há sempre questões que permanecem por explicar. E nem vou falar na escandalosa e óbvia concertação de preços.
Permitam-me aqui um parêntesis sobre o argumento económico segundo o qual a livre concorrência protege os consumidores. Em Portugal ainda está por provar a validade desse argumento (que me perdoem os iluminados da Iniciativa Liberal). Querem exemplos? Empresas de telecomunicações, seguradoras, bancos, empresas de combustíveis e energias, entre outras, que no nosso país se tornaram, perante a indiferença da classe política, em especialistas na concertação de preços com prejuízo evidente dos consumidores.
Voltando aos combustíveis, os preços que ontem de manhã foram aplicados nos postos de venda representam um aumento a raiar o criminoso. O combustível que está nas bombas corresponde a petróleo comprado há seis meses, com preços bem mais reduzidos do que é cobrado actualmente. Estamos, por isso, a falar dum produto que, quer na sua aquisição, quer na sua transformação implicou um custo mais reduzido que aquele que está associado ao crude comercializado hoje.

Observemos preços ontem praticados em Lisboa, por comparação com os preços praticados em estações de serviço da BP, Repsol, Cepsa e Galp em Madrid e Vigo (no caso da Galp). Estes dados foram recolhidos directamente da página FluelFlash que mantém a informação actualizada sobre os preços praticados nos diferentes países europeus.  (entre parêntesis está a diferença para o preço em Espanha):
Cepsa - Gasóleo 1,83€ (mais 0,12€); Gasolina 1,94€ (mais 0,12€)
Repsol - Gasóleo 1,94€ (mais 0,28€); Gasolina 2,06€ (mais 0,27€)
BP - Gasóleo 1,95€ (mais 0,25€); Gasolina 2,03€ (mais 0,24€)
Galp - Gasóleo 1,95€ (mais 0,36€); Gasolina 2,08€ (mais 0,36€)

O estado português tem de definir um valor máximo para cada litro de combustível. Depois ir fazendo variações nos impostos sobre ele, de forma a garantir que esse valor máximo ao consumidor não é ultrapassado. Isto poderia perfeitamente ser uma medida transitória, com a duração de alguns meses, até o preço do crude voltar para valores mais aceitáveis.

Preconceito em Relação a Jorge Jesus

M Bento, 24.11.19

Hoje estive a ver o painel de comentadores da SIC Notícias a comentar o jogo da final da Copa dos Libertadores. Eu não tinha visto o jogo e sabia apenas que o Flamengo ganhara. Do que ouvi da boca daqueles comentadores fiquei com a ideia que o Flamengo tinha sido esmagado pelo River Plate e que tinha ganho a final quando deveria ter perdido por muitos.

Mais tarde pude  finalmente ver o jogo e ao fim de algum tempo comecei a pensar que estava a ver outro jogo qualquer e não a Final da Copa dos Libertadores deste ano. Resolvi então procurar as estatísticas do jogo. Segundo elas, a equipa “esmagada”, segundo os doutos comentadores da SIC, tinha tido 61% de posse de bola (contra 39% do adversário), 10 remates (contra 11), 5 remates à baliza (contra 2), 2 cantos (contra 3), 433 passes (contra 277) e 110 ataques (contra 101). O guarda-redes do Flamengo fez apenas 1 defesa contra 3 do argentino. O River Plate cometeu 27 faltas (muitas bem durinhas e a justificar cartões) enquanto o Flamengo apenas cometeu 12.

Perante estes dados, a forma tão critica como aqueles comentadores se referiram ao desempenho do Flamengo, por oposição aos elogios desbragados a uma equipa que apenas teve 39% de posse de bola, apenas se pode justificar num preconceito tão básico e primário contra Jorge Jesus que está para lá da compreensão humana.

O último livro de Ricardo Araújo Pereira

M Bento, 27.06.17

O último livro de Ricardo Araújo Pereira é um ensaio muito interessante sobre o humor, a sua importância ou falta dela. Mais curioso é poder entrar na cabeça do humorista e perceber como ele se olha nessa qualidade, como se posiciona no mundo e como o humor é a sua visão desse mesmo mundo. "O humorista deve levar a sério a tarefa de se manter estrangeiro no mundo - e dentro de si mesmo." (p. 33)

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Temos Ou Não Direito A Uma Verdadeira Alternativa?

M Bento, 20.10.15

Alguém me explica porque é que mais de metade dos deputados do nosso parlamento têm de se sujeitar à vontade de menos de quarenta por cento dos seus pares?
Pretende-se que seja passado um cheque em branco a essa minoria de deputados, mesmo quando toda a maioria dos restantes estiver frontalmente contra as iniciativas parlamentares apresentadas por eles ou pelo governo que eles suportem? No limite, o que se pretende é que menos de quarenta por cento dos portugueses imponham as suas decisões aos restantes. Na prática o que se pretende é o tal cheque em branco a uma minoria para que esta possa livremente governar uma maioria.
Quais os elementos para sustentar esta posição? Não podemos deixar de pensar que a esmagadora maioria dos comentadores que falam nas televisões, nas rádios e escrevem nos jornais são gente claramente identificada com a ala mais conservadora da nossa sociedade. Até aqui estamos perante o pensamento único que Pacheco Pereira não se tem cansado de denunciar. É quase anedótico pensar que, para eles, os comunistas ainda comem criancinhas ao pequeno-almoço. Para eles os votos de vinte por cento da população portuguesa não contam, não valem.
O primeiro argumento que apresentam é que a esquerda não se apresentou em coligação antes das eleições. Que memória curta! Em 2011 PSD e CDS concorreram sozinhos às eleições. Isso, e muito bem, não os impediu que depois entrassem em negociações para formar um governo de coligação. É normal em democracia. O que é normal, desejável e saudável em democracia não são as maiorias absolutas de um único partido. Pelo contrário, é saudável que os partidos se entendam, que construam plataformas entre eles e que, a partir daí, construam uma base programática para governar.
Em 2011 ninguém estranhou, ninguém reclamou, ninguém achou pouco democrático ou pouco legítimo que dois partidos diferentes e que até se atacaram entre si na campanha eleitoral, se unissem para formar governo. No entanto, quatro anos passados já não é normal. Aliás, o que já não é normal é que isso possa acontecer com partidos à esquerda. Se o PSD e PS agora, depois das eleições, mesmo sem terem dito antes que se poderiam aliar, se juntassem e formassem governo toda esta gente batia palmas. Perdão, toda gente não. Mas de Belém viriam palmas imensas e dos velhos do Restelo, empossados comentadores na nossa imprensa formatada, viriam largos elogios. Ninguém viria então a público alertar para o facto de eles na campanha eleitoral não terem dito que se iam aliar. No entanto agora os mesmos comentadores e as mesmas vozes, vêm dizer-nos que o entendimento à esquerda não é legítimo. Alguém entende estas alminhas? Eu não.
Parece terem caído no esquecimento duas coisas: a primeira é o facto de a líder do Bloco de Esquerda ter, dias antes das eleições, dito que estaria disponível para se aliar, sob algumas condições, ao Partido Socialista após o acto eleitoral. Já ninguém se lembra. Não interessa lembrar.
A segunda é o resultado de um dos vários estudos de opinião que foram feitos durante a campanha eleitoral. Nesse estudo a maioria dos inquiridos indicava que, em caso de nenhum partido ter maioria absoluta, preferiria uma aliança à esquerda. Já ninguém se lembra. Não interessa lembrar.
Portanto vamos ao que interessa. PSD e CDS representam neste momento menos de 40% dos portugueses. O PS, PCP e Bloco Esquerda representam mais de 50%. Qual é, democraticamente falando, o drama destes três últimos se entenderem, organizarem e definirem uma plataforma para um governo de quatro anos? Aliás, toda a gente bem-falante e bem pensante criticou durante anos o Partido Comunista e mais tarde o Bloco de Esquerda, por apenas serem partidos de protesto e não aceitarem nunca serem forma de governo. Pois bem, agora eles aí estão prontos para isso. As vozes que sempre os criticaram por nunca se chegarem à frente para serem poder que se calem agora de uma vez por todas.
Ao fim de mais de 40 anos de democracia temos um país que não se desenvolveu tanto quanto deveria, que economicamente é débil e cuja estrutura produtiva do sector primário e secundário é quase nula e os responsáveis por isso têm rosto. São aqueles que nos governaram durante todos estes anos. São todos eles, desde aquele que agora está em Belém e fala como se não tivesse culpa nenhuma, até a outros políticos do PSD, CDS e PS. Caramba, não era agora a hora daqueles que nunca tiveram quer o poder, quer a responsabilidade pelo estado a que este país chegou, de pelo menos uma vez mostrarem o que valem?

Varoufakis E Uma Nova Cidadania Europeia

M Bento, 18.10.15

Há muito tempo que nesta nossa Europa, cada vez mais governada por Comité Central (à moda do antigo Kremlin), não surgia uma voz lúcida, corajosa e coerente que assumisse chamar os bois pelos nomes. Varoufakis pode ter, e tem de certeza, muitos defeitos mas a cobardia, a estupidez e o comodismo não serão certamente alguns deles. Nós, cidadãos europeus, talvez venhamos um dia a perceber que temos para com ele uma dívida de gratidão pela forma como pensou e defendeu, contra tudo e contra todos, uma ideia de cidadania e desenvolvimento responsável e solidário.

Ler aqui o artigo sobre a comunicação de Varoufakis na Universidade de Coimbra.

As Famílias e a Igreja

M Bento, 18.10.15

Já vai sendo horas de dar voz ao rebanho. Transcrevo aqui na íntegra o artigo da autoria de Frei Bento Domingues e que foi publicado hoje na página online do jornal Público.

 

Sínodo das Famílias ou dos Bispos? (1)

1. Há dias, um amigo dizia-me, com ar sentencioso: a vida de uma pessoa, comparada com a duração do mundo, não é apenas breve, é insignificante. Vós, os católicos, tendes a mania de negar a evidência, inventando a ideia de vida eterna quando, de facto, não passa de um fruto enganador da megalomania do desejo. Para não entrar numa discussão estéril, citei-lhe uma frase de Manuel da Fonseca, mais radical e evidente: isto de estar vivo, ainda vai acabar mal!

A conversa tinha começado pelos rumores em torno do Sínodo dos Bispos. Segundo este amigo, está a preparar-se a primeira grande derrota do Papa Francisco. O seu raciocínio era simples: os bispos de todo o mundo dispõem de um passado e do Direito Canónico que lhes oferece a ilusão - assim como à Cúria vaticana - de mandar no imaginário de uma realidade universal, com uma longa história de muitas configurações culturais e religiosas: a Família. Para eles, as normas contam mais do que a felicidade ou infelicidade das pessoas e dos casais. O Papa Francisco, pelo contrário, acordou para as exigências do humanismo cristão, mas não conseguiu acordar os outros bispos do sono dogmático.

Anselmo Borges fez muito bem em apresentar um artigo de J. M. Castillo que mostra e documenta que não existe nenhuma declaração dogmática que imponha a indissolubilidade absoluta do casamento [1]. Nestas crónicas, notifiquei, desde 1993, as posições que justificavam a possibilidade do acesso dos divorciados recasados à Eucaristia, assim como a discussão aberta em torno da indissolubilidade do Matrimónio que o Direito Canónico impôs [2].

Além disso, se a vida das pessoas é muito breve, a ética inter-geracional não pode pensar apenas em termos do tempo curto das pessoas, mas insistir no tempo longo: o mundo não começou agora nem vai acabar hoje. Não é saudável deixar para o futuro o que já é possível resolver. A espiritualidade do provisório, do pão nosso de cada dia, é parecida com o dito do poeta: não há caminho, o caminho faz-se caminhando. De qualquer modo, o Evangelho de Jesus Cristo segue a lei do alívio dos oprimidos, não a atitude farisaica que carrega os abatidos sempre com mais pesos.

2. Ao que parece, há agitações no Sínodo e fora do Sínodo, com ameaças de cismas, de cisões na Igreja e não sei que mais!

Parece-me que se está a esquecer algo de muito elementar: estamos perante o Sínodo dos Bispos sobre a Família, não do Sínodo das Famílias traçando orientações para a sua caminhada segundo as diferenças de continentes e culturas. Este virá a seguir. Agora estamos perante o Sínodo dos bispos celibatários, com responsabilidades inalienáveis na Igreja universal, confrontando pontos de vista antropológicos, cristológicos e pastorais para oferecerem um bom contributo para a felicidade das famílias. Não alimento sonhos delirantes nem visões apocalípticas sobre esta grande reunião.

Procurou-se esquecer o Vaticano II (1962-1965) que foi a grande revolução católica do séc. XX. Agora, estamos a colher as consequências desse vazio. Foram várias gerações que o não aprofundaram e que ouviram, a vários níveis, as vozes que apresentaram a sua memória como uma desgraça para a Igreja. Quando se julgava que estava enterrado para sempre, surge o Papa Francisco estragando esse cálculo.

Muitos queixam-se de que é no seio do clero mais novo que surgem os padres mais reacionários. Talvez. São, porém, facilmente cooptados pelos movimentos e grupos que desejam neutralizar o impacto Bergoglio, a nível interno da Igreja e da sociedade. São manipulados que tentam manipular.

3. Em vez de perder tempo com as atoardas sobre os possíveis cismas na Igreja, devido à livre discussão que o Papa Francisco introduziu na sua orientação pastoral, talvez fosse melhor começar a pensar e a desenhar o próprio Sínodo das Famílias, segundo os continentes geográficos e culturais, a partir das paróquias, dos movimentos, dos casais, de forma inclusiva, em termos de caminhada, mais ou menos longa, segundo os contextos. Os Bispos têm mensagens e orientações para as famílias, mas não serão as famílias que vivem experiências de êxitos e fracassos matrimoniais a poderem apontar caminhos possíveis para a felicidade familiar?

Várias vezes nestas crónicas, destaquei a falta de senso quanto ao acesso dos divorciados recasados à Comunhão Eucarística, cuja simbólica é uma ceia. Como é possível convidar uma pessoa para jantar e dizer-lhe: vem, mas não podes comer!? Além disso, recomenda-se a estes pais – cuja norma os impede de comungar – que preparem e acompanhem a comunhão dos filhos. De repente, a criança pode pensar: mas a comunhão será só para crianças? Aí começa a debandada.

 

[1] Anselmo Borges, Casamento católico: indissolúvel? DN 10.10.2015; José Maria Castillo, El Papa puede admitir a la eucaristía a los divorciados vueltos a casar, Religión Digital, 26.08.2015

[2] Frei Bento Domingues, A Humanidade de Deus, p. 203-206, 1995; As Religiões e a Cultura da Paz, p 88-91, 2002. Cf. Fidélité et Divorce, Rev.Lumière & Vie, n.206, 1992 ; Francisco Gil Delgado, Divórcio en la Iglesia.História y Futuro, 1993; Michel Legrain, Os Divorciados e a Igreja, 1995

O Custo da Baixa Natalidade

M Bento, 21.02.14

Que baixa da taxa de natalidade é uma realidade já ninguém questiona. Que é um problema ao qual os nossos resposnáveis intencionlmente não querem enfrentar eficazmente, tambem já ninguém dúvida. Mas o assustador é que esta situação se reveste de consequências nefastas quer para as gerações actuais quer para as futuras. 

A maior parte do casais que, nos últimos cinco ou seis anos, resolveram ter filhos ficaram-se por apenas ter um. A maior parte dos casais optou conscientemente por substituir a maternidade e paternidade pelo mais barato, menos trabalhoso e tranquilo animal de estimação. 

Ora, perante esta situação, num futuro próximo iremos confrontarmo-nos com toda uma geração de flhos únicos e isso pode ser um problema ainda maior. No passado dia 17, o Público, publicou este artigo que nos permite perceber um pouco melhor esta situação.