Luís Osório, director do jornal A Capital, no seu editorial de hoje traduz em palavras quase tudo aquilo que me vai na alma sobre a morte de Álvaro Cunhal. Por isso não resisti a aqui deixar o seu artigo.
« Serei um dos muitos milhares que hoje estarão na despedida a Álvaro Cunhal. Não o faço por achar que devo prestar homenagem à sua coerência, mas por ter colocado os ideais em que acreditava à frente da sua vida. Numa altura em que tantos políticos sacrificam o serviço público em função das suas ambições pessoais e em que quase todos são incapazes de arriscar a sua carreira quanto mais a vida, acho que devo juntar-me aos milhares que hoje estarão na despedida ao «filho adoptivo do proletariado».
Não acompanharei Cunhal por partilhar das suas ideias ou por acreditar na possibilidade de um Homem Novo nascer dos escombros da decadência humana, mas por querer homenagear a sua inteligência pragmática e o extremo equilíbrio que conseguiu manter durante toda a sua vida política. Num tempo em que tantos parecem ser feitos de matéria insuflável e em que a maioria confunde táctica com estratégia, acho que devo juntar-me aos que hoje estarão na sua despedida.
Não acompanharei Cunhal por concordar com a maneira como, ao mesmo tempo que criticava o culto de personalidade, estimulava perversamente a sua própria mitificação, mas por ser um gigante num mundo de anões. Sem medo de morrer, sem medo de fazer rupturas, sem bens próprios, sem vida para além da ideologia que aprendeu a amar, sem uma única dúvida visível durante os últimos 70 anos. Quando quase todos não conseguem ceder ao medo da morte, ao medo das rupturas, à corrupção moral, à falta de dinheiro e ao estigma da culpa.
Não acompanharei Cunhal por ser comunista ou por ter desejado que ele e os seus camaradas conquistassem o poder, mas por representar a morte de alguém que é a antítese de um mundo tão desordenado e coberto de bezerros de ouro. Por querer homenagear o grande espírito de sacrifício comunista, por respeito pela memória de um Cunhal que conheci de criança quando pela mão do meu pai passeava na sede da Soeiro Pereira Gomes e na Festa do Avante!.
Faço-o por respeito e admiração por três mulheres que, comigo, também lá estarão. Elas pela memória do pai e marido, comunista de sempre, que as deixou tão cedo e que foi para elas um exemplo moral. Sempre que viam ou lembravam Cunhal, recordavam de que matéria era feita a sua essência. É por isso que muitos milhares o devem chorar nesta última caminhada. Álvaro Cunhal conseguiu ser uma referência que é o prolongamento de tantas vidas e de tanta memória.
Se elas, e tantos outros, o fazem também pela memória do legado dos que mais amaram, eu faço-o para não me esquecer de que, independentemente de me afirmar como alguém que defende o aperfeiçoamento deste sistema, não há convicção mais profunda do que a convicção do nosso coração. Seria sempre seu adversário, num quadro revolucionário sei que não seria poupado, mas Álvaro Cunhal está no meu coração. Que o seu exemplo moral e a firmeza de carácter sejam um exemplo não só para os comunistas.»
Luís Osório in A Capital